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Como
uma pequena denominação do interior paulista fundada por Valdemiro
Santiago (obreiro, evangelista, pastor e bispo na Igreja Universal do
Reino de Deus durante 18 anos), se tornou o maior fenômeno cristão
brasileiro da atualidade.
Febre
momentânea? Dificilmente. O que se vê na sede da Igreja Mundial do
Poder de Deus parece ser o epicentro do mais novo fenômeno da Igreja
Evangélica brasileira.
Ainda
falta muito para as oito horas da manhã do domingo, mas a multidão
que lota as imediações em direção às antes tranqüilas ruas Carneiro
Leão, Visconde Parnaíba e Caetano Pinto, no bairro do Brás, região
central da cidade de São Paulo, mostra que algo novo está acontecendo
por ali. Entre os milhares, há grande expectativa e um único assunto:
“O que Deus fará no culto de hoje?”. Quando a reunião começa, o que
acontece durante as quatro horas seguintes deixa claro que a pergunta
faz muito sentido. Entre testemunhos, cânticos e exposição da Palavra
de Deus, o que se vê por todos os cantos do templo são pessoas
chorando, agradecendo com as mãos levantadas e dizendo-se
transformadas pelo poder de Cristo. Nesse ambiente, curas, e milagres
dão o tom à adoração.
De
problemas familiares, como as constantes brigas entre os pais e o
filho viciado em drogas, às mais letais doenças da atualidade – câncer
e Aids entre elas – estar lá parece ser para os freqüentadores a
resposta para qualquer coisa. Quem participa pela primeira vez – e não
são poucos – já faz planos para voltar na semana seguinte ou até antes
em alguma filial mais próxima de sua casa. Não à toa, o local ganhou o
sugestivo nome de Templo dos Milagres. Exagero? Não. Febre
momentânea? Dificilmente. O que se vê na sede da Igreja Mundial do
Poder de Deus parece ser o epicentro do mais novo fenômeno da Igreja
Evangélica brasileira. Mesmo durante a semana, mais de 15 mil pessoas
costumam lotar cada uma das três reuniões diárias promovidas no local –
uma antiga fábrica com 43 mil metros quadrados de área convertidos em
um dos maiores templos brasileiros há dois anos. Não se trata de algo
localizado. Coisa semelhante pode ser vista nas filiais da
denominação. Em apenas 10 anos de existência e com o uso dos meios de
comunicação de massa, especialmente a televisão, a Mundial já tem mais
de 500 templos em quase todos os Estados brasileiros e está presente
em outros países como Argentina, Colômbia e Uruguai, na América do
Sul, Espanha e Portugal, na Europa, Moçambique, na África, e Japão, na
Ásia. Segundo dados da própria denominação, somente no último ano
cresceu mais de 200%, abrindo quase 20 novos templos por semana.
Números que, diga-se de passagem, não estão fechados e podem ser ainda
maiores, mas já a transformam na igreja que mais cresce no Brasil na
atualidade.
“Não
acredito que seja algo momentâneo ou passageiro. A Mundial é uma
igreja neopentecostal que traz, sim, um componente novo”, explica o
pastor e pesquisador Ricardo Bitun, professor de Ciências da Religião da
Universidade Presbiteriana Mackenzie. “A marca do avivamento no
começo do século 20 foi o falar em línguas. Depois
disso, tivemos a chamada ‘segunda onda’ nos anos 50, que enfatizou a
cura divina. E, nos anos 70 e 80, houve a ênfase na libertação e
prosperidade. Agora, esta igreja não somente reúne todos esses
elementos, como dá uma renovada ênfase nas curas”, diz ele.
Os
testemunhos ouvidos nas reuniões realmente impressionam. Somente nos
dias em que a reportagem esteve presente nos cultos, pessoas relataram
terem sido curadas de graves seqüelas de derrames, leucemia e oito
graus de miopia. Em geral, trazem fotos mostrando como estavam
debilitados antes, exames antigos, nos quais aparecem as enfermidades e
problemas, e outros novos, comprovando as curas. Tudo a pedido da
própria igreja, que faz questão de documentar as curas. Para tanto,
como outras denominações neopentecostais, a Mundial faz uso de objetos
simbólicos como toalinhas, rosas e o copo de água em cima da
televisão ou do rádio. Entretanto, faz questão de combater um dos
maiores símbolos de uma de suas concorrentes: “Aqui não temos sal
grosso. Isso usamos em casa, nos churrascos que fazemos”, costumam
dizer alguns pastores.
Avivamento
Entender
o espantoso crescimento obtido pela Igreja Mundial do Poder de Deus é
impossível sem falar no homem pelo qual tudo começou há uma década,
em Sorocaba, no interior paulista. Aos 45 anos, o mineiro Valdemiro
Santiago de Oliveira não é somente apóstolo e líder da denominação,
mas também sua cara. Com sua fala tranqüila e jeito popular, ele
cativa o público. “Não sou um homem letrado. Mas dou graças a Deus,
porque ele me escolheu e tem realizado grandes sinas e milagres por
meu intermédio”, diz ele, que é pastor por formação, mas também um
carismático locutor e apresentador. Sempre ao lado da esposa, a bispa
Franciléia, e das filhas, a missionária Rachel e a cantora Juliana,
Valdemiro traz um discurso tanto de humildade quanto de ênfase em
relação a sua missão e chamados: “Costumo dizer que nós homens é que
atrapalhamos o trabalhar de Deus. Por isso, tento me esforçar para
atrapalhar o menos possível, pois sei que o Senhor deseja fazer coisas
grandiosas nessa igreja. A Mundial é um avivamento levantado por Ele”.
Antes
de fundar a igreja, Valdemiro Santiago foi obreiro, evangelista,
pastor e bispo durante 18 anos na Igreja Universal do Reino de Deus
(Iurd). Assim, começou sua caminhada na fé e passou a viver uma vida que
classifica como “sobrenatural e cheia de livramentos”. Um dos
episódios mais marcantes aconteceu ainda em 1996, quando liderava o
trabalho em Moçambique, na África. “Naquele tempo, saíamos para pescar
em alto mar. Ganhamos um barco e ajudávamos comunidades carentes. Mas
nosso crescimento começou a causar ciúmes em líderes muçulmanos.
Certa vez, quando já estávamos a mais de 20 quilômetros da costa, o barco começou a afundar. Fomos sabotados”, conta ele.
Dos
quatro ocupantes da embarcação, apenas Valdemiro e outro pastor
sobreviveram. O pastor foi resgatado por um pesqueiro que passava no
local e viu o ministro em uma bóia de sinalização. Junto com um músico
e um pastor, Valdemiro tentava chegar à costa nadando. “Tinha 153
quilos na época, era obeso. Eles eram atléticos. Por isso, desobedeceram
minhas ordens e acharam que podiam me acompanhar. Mas decidi nadar
pela fé e orientação do Espírito Santo. Logo, a forte correnteza nos
separou e nunca mais os vi”. Ele nadou por mais de oito horas em meio a
cardumes de tubarões brancos que se reproduzem na região e costumam
estar famintos. Por fim, mesmo com os olhos sangrando por causa da
alta salinidade da água, conseguiu avistar a praia. “Mas não tinha
forças para me aproximar. Quem me carregou foram dois homens, que não
deixaram rastros. Só podiam ser anjos”, acredita.
O
incidente fez com que começasse a discordar das crenças defendidas
por seus líderes da época. “Eles ensinam que os anjos existem, mas não
podemos vê-los ou senti-los fisicamente. O que vivi me mostrou que isso
não é realidade”. Nos meses que se seguiram, outras divergências
teriam surgido. A tal ponto que, já de volta ao Brasil, ele diz ter
decidido sair daquela denominação. “Nunca pensei em começar outra
igreja, mas já não podia ficar em um lugar que não guardava mais a
Palavra como tinha aprendido no começo de minha caminhada cristã”, diz
o apóstolo, que até hoje não gosta de citar o nome da igreja, e
prefere falar em “outro ministério” quando se refere a ela.
Segredo do sucesso
O
começo da Igreja Mundial do Poder de Deus em nada lembra as grandes
reuniões que agora se realizam em seus templos. Depois de uma semana
de trabalho evangelístico, visitas e convites realizados por Valdemiro
Santiago, sua família e alguns pastores que o acompanharam quando
deixou as fileiras da Iurd, apenas 16 pessoas participaram da primeira
reunião da nova denominação. Foi decepcionante para quem, segundo ele
mesmo, estava “acostumado com multidões”, mas decisivo para moldar os
rumos que fariam o sucesso da igreja. Entre outras coisas, o apóstolo
aprendeu que era preciso estar entre o povo. Foi o que fez e continua
a fazer ainda hoje, quando, ao término dos cultos, passa pelo meio
dos presentes.
Junto
com as curas que começavam a ocorrer em grande número e orações e
vigílias em montes – uma antiga prática pentecostal que se tornou
marca registrada da Mundial –, o salão alugado ficou pequeno. E
começaram a se mudar para outros, cada vez maiores. Agora, no Templo dos
Milagres, a plataforma de onde oscultos são dirigidos fica no meio do
espaço. Valdemiro chega lá usando uma escada subterrânea. Mas faz
questão de sair por alguma das portas laterais, passando pelo meio dos
presentes. As pessoas se amontoam ao seu redor e é quase impossível
andar. Querem tocá-lo. Alguns testemunham que foram curados por seu
suor ou encostando fotos e documentos em suas roupas.
“É
algo completamente diferente do que fazem outros líderes de igrejas
neopentecostais como Edir Macedo, R. R. Soares e Estevam Hernandes. A
maioria das pessoas que freqüentam a igreja é composta por gente
simples, mas que se identifica por poder sentar e conversar com
Valdemiro, que as abraça e chora com elas”, analisa o professor e
pastor Paulo Romeiro, também da Universidade Mackenzie. Para ele, mais
do que uma denominação, a Mundial, mais que uma denominação é um
movimento que deve continuar crescendo cada vez mais. “Comparo o
Valdemiro com o movimento que o David Miranda fez a partir dos anos
60, com a Deus é Amor e as curas. Com a diferença que, está melhor
preparado em termos de conhecimento e não enfatiza usos, costumes e
doutrinas”, afirma.
Nessa
caminhada e disputa por horários na televisão com outras igrejas como
a própria Universal e a Internacional da Graça de Deus, a Mundial
obteve recentemente uma grande vitória. No dia em que foi ao Templo
dos Milagres para falar com o apóstolo Valdemiro Santiago nossa equipe
recebeu em primeira mão a notícia de que a igreja acabara de adquirir
junto à Rede Bandeirantes os direitos para gerir e transmitir durante
22 horas diárias o conteúdo do Canal 21. As outras duas horas seriam
ocupadas pelo jornalismo da própria Band. Uma notícia que surpreendeu
muita gente e que deve gerar ainda mais oposição e perseguição ao líder
da Igreja Mundial do Poder de Deus, que diz já ser vítima de
discriminação e até de ameaças de morte. “Um líder dessas grandes
igrejas por aí me encontrou no Rio há alguns dias e disse que ia me
varrer da sua frente. Também tem gente ligando para o meu celular e
dizendo que vai me matar. Não entendo como esse tipo de coisa pode vir
de irmãos na fé. Oro para que eles cresçam e creio que o Senhor
abrirá os olhos deles para orarem por mim, pois são homens de Deus. Mas
uma coisa digo: não vamos parar. Se fecharem uma igreja nossa, podem
ter certeza, que abriremos outras 10 em seu lugar”, garante com fé. E,
pelo andar da carruagem, ninguém precisará esperar muito para ver
isso .
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